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Texto

Sobre livros

Incisões concêntricas, precisões e simetrias; fragmentos de palavras e imagens, por vezes parcialmente encobertos por outras narrativas; volumes justapostos a compor estruturas improváveis; memórias guardadas em herméticas caixas acrílicas. São livros talhados para cumprir papeis diversos daqueles que, a princípio, lhes foram atribuídos, porém, nem por isso deixam de estabelecer diálogos com seus iguais, habitualmente perfilados em prateleiras, a repousar sobre mesas ou abertos em nossas mãos. Em qualquer uma dessas circunstâncias, neles permanecem contidos pensamentos vertidos em textos e imagens: romances, fábulas, tratados, documentos e enciclopédias, permeadas por gravuras e fotografias, não raro acompanhados por dedicatórias em folhas de rosto, observações manuscritas nas beiradas das páginas, frases sublinhadas, registros de datas e outras tantas marcas de uso. Em qualquer uma dessas circunstâncias, livros também guardam as memórias de suas próprias trajetórias, das forjas em prelos às viagens empreendidas em pacotes, estantes e mãos; são objetos lidos, relidos, emprestados, doados, esquecidos, perdidos, descartados, ou, em inesperado desvio dessas rotas, encontram nos talhes bem calculados, nas justaposições improváveis e nas herméticas caixas acrílicas um destino que, se lhes parece ser incomum, ao mesmo tempo se mostra possível. Nesta particular circunstância, se em tais livros ecoa a secular ação de Duchamp, é porque entre os tantos deslocamentos e apropriações que as expressões artísticas aprenderam a explorar, e nós os espectadores aprendemos a ver, foi garantida aos mais variados elementos que habitam o nosso entorno a possibilidade de outras existências, despertadas por meio de sensíveis percepções. São elas que foram dadas aos livros apresentados por Reynaldo Candia, cuja pesquisa empreendida ao longo dos anos oferece a cada nova versão, novos sentidos, novos olhares. Em todos esses trabalhos, somada à qualidade estética que as incisivas interferências lhes deram e permitiram a emersão de outras narrativas, permanecem mantidas as memórias a eles inerentes, incluindo, sobretudo, as de suas trajetórias: do prelo à condição que agora lhes cabem, diversa mas nem por isso distante daquelas que lhes foram atribuídas.  
 

Carlos Avelino de Arruda Camargo

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